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Calendário Insurrecional 2024: Lutas abolicionistas// Terror escravocrata

Esta é a quarta edição do Calendário Insurrecional lançado anualmente pelo projeto História da Disputa: Disputa da História para rememorar as tradições de luta dos de baixo. Desta vez, o tema é a luta abolicionista nas décadas finais da escravidão. Como nas demais edições, a razão do que afirmamos se contrapõe ao que está dado. É de disputa que se trata, sempre.

Na história que os escravocratas e seus legítimos herdeiros promoveram e promovem, a Abolição foi fruto de tudo, menos da luta de quem era escravizado. Para alguns, tudo começou com tendências filosóficas vindas da Europa que inspiraram associações abolicionistas internacionais e iluminaram sinhozinhos caridosos da Faculdade de Direito. Para outros, o fim do regime escravista foi fruto de leis econômicas advindas do desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo industrial, visto como motor do progresso e da liberdade (cada um tem a “mão invisível” que lhe apraz!). Mas a lorota mais tradicional sobre o tema ainda é a de que a Abolição provém da família imperial e do círculo de pilantras em torno dela. Dotados de uma visão de grande alcance para a nação brasileira, juristas, parlamentares e ministros elaboraram e debateram planos para a superação da escravidão e entrada do país na modernidade, sendo o projeto final apresentado à assinatura da gloriosa princesa branca redentora dos negros.

A inversão é completa. Fora destes contos de fadas, a Europa, o Direito, o capitalismo, o Estado, a branquitude e a dinastia de Bragança são legítimos pais da escravidão, jamais da Abolição.

Para entender a história da luta entre escravidão e Abolição, antes de mais nada, é preciso observar que o terreno do combate não foi o território nacional brasileiro, mas boa parte do globo terrestre, impactado pelo colonialismo europeu.

Nunca é demais lembrar que a escravidão mercantil que existiu entre nós é uma instituição fundamentalmente europeia. Ela foi construída e expandida ao longo de três séculos sob o comando de reis, ministros, capitães-generais e investidores da Europa. Ela foi regulada por leis e ordenações que remontam ao direito romano de propriedade absoluta. Ela foi justificada pela igreja católica e por igrejas e seitas que romperam com Roma, mas não com a justificação do cativeiro, do roubo e do assassinato, em nome de Deus. Ela teve como principais motivações econômicas suprir demandas de mercados europeus por produtos tropicais e gerar grandes fortunas para investidores europeus e eurodescendentes, via pilhagem, comércio e produção escravista de mercadorias. África e América foram primeiramente invadidos por europeus para que a escravidão mercantil pudesse acontecer. É evidente que formas de violência e de trabalho forçado existiram em todos os continentes nas mais diversas épocas, como existem neste exato momento. Porém, quando se trata da transplantação de mais de 10 milhões de pessoas à força da África para a América e sua escravização e transformação em mercadoria ao longo de quase 400 anos é de história europeia, cristã e branca que se trata. É do latim que vem as palavras que definem a instituição e que a deram existência jurídica e cultural: cativo/cativeiro; servo/servidão, escravo/escravidão. Das línguas bantu faladas em Angola e no Congo as palavras que nos chegaram foram outras: o quilombo, o batuque, a quitanda, o dengo… A bagunça também, e nos parece claro que sem ela não teríamos tido Abolição em 1888.

A Abolição foi fruto de lutas que se sucediam desde que os primeiros navios europeus cruzaram o Atlântico conduzindo pessoas para serem vendidas. As primeiras fugas e revoltas são dos primeiros tempos. Palmares surgiu quase 200 anos antes da Lei Áurea.

Se nada disso foi suficiente para derrotar o regime escravista antes de qualquer outro lugar do continente, isto sim devemos às elites políticas e econômicas do Brasil. Em especial, o latifúndio monocultor exportador escravista, que hoje se apresenta sob a denominação Agronegócio. Foi principalmente contra a violência do Agro que se deu a vitória da Abolição.

Que sua derrota completa se realize!

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