O restaurante para mulheres
Em março de 1926 o Vale do Anhangabaú passou a abrigar o Restaurante para Senhoras, que funcionou na área sob o Viaduto do Chá até 1999. No momento da fundação, a proposta do estabelecimento era providenciar refeições rápidas e substanciais a todas as mulheres que eram “obrigadas” a trabalhar fora do lar. No período, estabelecimentos “de respeito” impediam que mulheres frequentassem seus ambientes desacompanhadas.
A organização responsável pelo projeto foi a Liga das Senhoras Católicas de São Paulo, entidade leiga oficialmente fundada três anos antes. Seu conselho diretor foi originalmente composto por senhoras da alta sociedade paulistana que se propuseram a auxiliar mulheres pobres, ensinando-as os ofícios do trabalho doméstico e funções do lar inspirados pelo sentimento religioso de cuidados com a família, casa e prole. Um dos reflexos desta diretriz é a fundação da Escola de Economia Doméstica em 1924.
A localização do Restaurante para Senhoras esteve integrada a um território de grande circulação na região central de São Paulo, cidade que crescia exponencialmente em termos geográficos e demográficos. Durante a primeira metade do século XX, o chamado “triângulo histórico” – ruas Direita, XV de Novembro e São Bento – e a área circundante a ele, concentrou as atividades comerciais e financeiras do estado e atingiu status de importante centro financeiro do país. Neste mesmo período, a participação da mulher no mercado de trabalho formal vinculado à indústria e comércio, passa a competir estatisticamente com a tradicional predominância feminina no “serviço doméstico”: segundo censos demográficos, em 1872 a mais numerosa ocupação profissional feminina era o serviço doméstico, enquanto que em 1920 foi a indústria têxtil que congregou a maioria de mulheres trabalhadoras. Porém nos dois levantamentos, se comparadas à participação masculina, o serviço doméstico é quase exclusivamente feminino: 83,5% em 1872 e 82,2% em 1920.
A Liga das Senhoras Católicas representa o pensamento vigente no início do século XX, que tentou adaptar o conservadorismo moral às novas necessidades do mercado de trabalho. Mas, quando se olha para trás, percebe-se que a circulação feminina pela cidade de São Paulo não era novidade. Durante todo o século XIX mulheres livres e escravas alimentaram os trabalhadores com quitutes preparados na hora em bancas montadas nas principais ruas; lavaram roupas de famílias bem estabelecidas às margens dos rios como o Tamanduateí; e quando escravas, sustentaram seus donos e donas alugando sua força de trabalho à terceiros. Porém estas relações foram em sua maioria pautadas pela informalidade, e exigiam baixo nível de especialização. O restaurante já recebia homens na década de 1970.
Texto de Lígya de Souza, a quem agradecemos por compartilhar parte de sua pesquisa.