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Massacre da Sé: a caravana fúnebre prossegue

Há quinze anos atrás, na madrugada entre os dias 19 e 20 de agosto, foi perpetrado em São Paulo o maior massacre do povo de rua já registrado.

Às 4h30 da manhã, horário em que trabalhadoras e trabalhadores seguem, com raiva por dentro, a caminho do centro, o primeiro morador de rua dava entrada no Hospital do Servidor com traumatismo craniano. Trinta minutos depois, ele estaria morto sem chegar a ser identificado, como acontece diariamente com outras pessoas que moram – e morrem – nas calçadas. Em questão de horas, o hospital, o mais próximo do centro que recebe o povo de rua em estado grave, recebeu mais cinco pessoas, nas mesmas condições: moradoras e moradores de rua com traumatismo craniano. Ao mesmo tempo, a Santa Casa também recebia outras duas vítimas, mesmas condições.

Os assassinatos – e as tentativas, que vitimaram ainda outras dez pessoas – ocorreram todos na região central da cidade, em especial nas Praças da Sé e João Mendes. O episódio entraria para a história a ser esquecida como Massacre da Sé.

O massacre, impune até hoje, década e meia depois, foi levado a cabo por policiais e seguranças clandestinos da região envolvidos com tráfico de drogas e mercadoria roubada. Os assassinatos aconteceram para exterminar e intimidar pessoas que sabiam do esquema dos policiais. Na queima de arquivo, outras pessoas do povo de rua foram atacadas de forma aleatória, objetivando despistar as futuras investigações. Todas as pessoas foram atacadas diretamente na cabeça, sem sinais de luta, e a maioria estava dormindo durante os ataques.

Meses depois, a principal testemunha do caso, Priscila Machado, moradora de um cortiço na Liberdade – na chamada Baixada do Glicério – teve a casa invadida por policiais militares sob a acusação de roubo de celular. Foi arrastada pelos cabelos e executada embaixo de um viaduto na região.

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Sabemos que Pantera, a travesti assassinada na João Mendes, era bagunceira, mas gente boa. Maria Baixinha, era conhecida como Tia, como costuma acontecer com as mulheres que adotam e são adotadas pela grande família de maloqueiros. Gaguinho varria a calçada durante o dia em troca de comida, café e cigarros, enquanto Cosme, encontrado morto sob sua manta, como se ainda dormisse, veio da Bahia para São Paulo com 15 anos para trabalhar como pasteleiro. Messias também morreu dormindo, e de Daniel nada sabemos. As vítimas que sobreviveram seguem anônimas. Mesmo em jornais da época e publicações acadêmicas sobre o massacre é difícil achar seus nomes e histórias.

Grande parte dessa história é mantida através da luta do padre Julio Renato Lancellotti, que sofreu campanha de difamação e recebe até hoje represálias pela atuação no caso.

Não perdoamos, não esquecemos.

Fotografia: ato realizado pelo povo de rua em 2016, em memória e luta pelas dezenas de vítimas diárias da vulnerabilidade em que é colocado quem não tem moradia.

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